23/02/2020

Mago #01

Em Jasmund, península da ilha de Rügen em Mecklemburgo-Pomerânia Ocidental, no nordeste da Alemanha, encontra-se o Parque Nacional Jasmund. Local de extraordinária beleza, o Parque é conhecido principalmente por sua paisagem de formações de giz, tendo o maior penhasco de giz do país, o Königsstuhl. Este, por sua vez, era o lugar para onde estava se dirigindo um solitário jovem. Essa pessoa é Thomas Hunt, de 20 anos, pele clara, cabelo castanho escuro penteado para trás, uma expressão “morta” em seus olhos cor de âmbar que haviam perdido o brilho, 1 metro e 79 centímetros de altura, e porte físico que se encaixava num meio-termo entre magro e forte, por não ser demais nenhuma das duas coisas. Assim como seus olhos, suas roupas passavam a sensação de morbidez a qualquer um que o visse. Ele vestia um casaco oversized com uma camiseta por baixo, uma calça, e nos pés um par de botas, sendo todas as peças de cor preta. Além disso, um cachecol cinza escuro estava em seu pescoço. Caminhando pela floresta de faias de Stubnitz à caminho do Königsstuhl, com as mãos nos bolsos do casaco onde guardava algo, Thomas ia apreciando a paisagem. Chegando finalmente ao seu destino, ele tira suas mãos do bolso, tendo um isqueiro na mão esquerda e uma cartela de cigarros na direita.

- Hmpf... – suspirou ele, sendo possível enxergar o ar saindo de suas narinas devido ao clima gélido.

Se sentando na ponta do penhasco, o jovem tirou o último cigarro que havia na cartela, acendeu-o, guardou a cartela de volta no bolso, fechou os olhos e deu a primeira tragada, mudando sua expressão para uma de alívio. Depois de expelir a fumaça, ele abre seus olhos e passa a admirar a vista do local.

- Quem dera a vida fosse tão bonita quanto esse lugar... – falou, desabafando consigo mesmo.

Cerca de dez minutos se passam e Thomas termina seu cigarro. Ele então se levanta, olha para trás para a floresta, suspira, olha novamente pra o penhasco em sua frente, respira fundo, fecha seus olhos, e dá um passo à frente se jogando dali. Naquele momento ele se lembrava de tudo que o fizera vir a tomar essa decisão, mas o que o jovem alemão não esperava era que apesar da sua escolha de desistir da própria vida, alguém que o observava não deixaria aquilo acontecer. Com Thomas prestes a se chocar com o solo e morrer, um portal se abre abaixo dele e o engole.

- Thomas. – disse uma voz grave.

O jovem, confuso não só pela voz misteriosa repentina, mas também por não ter sentido impacto algum nem nada que lhe fizesse pensar estar morto, abre os olhos. Fazendo isso, ele se vê sozinho flutuando no meio do que parecia até mesmo ser o espaço. Várias estrelas, planetas, asteroides, entre outros estavam à sua volta por todo canto.

- Esse é o outro mundo? No fim das contas, eu de fato morri apesar de não ter sentido nada? – perguntava ele para seja lá quem fosse o dono da voz que o chamou. – Você, essa voz... Você é Deus?
- Deus? Hahaha... Talvez algo como isso, visto que sim, fui eu quem criou esse universo no qual você vive. – respondeu a voz. – Mas a verdade é que as várias ideias que vocês humanos criaram a meu respeito estão todas um pouco longe da realidade.
- Entendo. Então o que é isso? Um tipo de julgamento?
- Ninguém vai ser julgado aqui. Como eu disse, as coisas funcionam diferentes de como vocês pensam. Primeiramente, eu não sou responsável por julgar os mortos, e segundo, você nem sequer está morto pra isso.
- O quê?!
- Eu te trouxe pra cá por um portal antes que você morresse no chão. Precisamos conversar.
- Mas o que... Bem, vá em frente, eu tenho muitas perguntas, mas com certeza minha vontade de obter respostas para elas nem se compara à de querer saber que assunto o ser criador do universo tem para “conversar” comigo pessoalmente. Se é que “pessoalmente” é um termo que se aplique a você...
- Esse universo precisa de você vivo, Thomas. Algo terrível está para acontecer. O gatilho já foi puxado e só você pode impedir o que vem por aí.
- Pode ir direto ao ponto?
- Tudo bem. Há muito tempo atrás...
- Tá de sacanagem... – disse Thomas, interrompendo.
- É impossível te fazer o pedido que eu estou para fazer sem te dar um contexto. Você não entenderia nada, então acalme-se, vou resumir o máximo que puder a situação.
- Ai, ai... Certo, então. Continue.
- Bem... Há muito tempo atrás, uma energia permeava todo o universo. Estava por todos os cantos e quando manipulada de alguma forma, fazia coisas inimagináveis. Essa energia é o que vocês humanos chamam de “magia”. Com o tempo, seres de todas as raças em todo canto do universo foram descobrindo a magia e aprendendo a lidar com ela, usando para todo tipo de coisa. O problema é que com o tempo, muitas criaturas passaram a usar ela com péssimas intenções, ou de maneira tão displicente que o fim de tudo que existe ia chegar muito mais rápido do que o previsto. Um colapso universal causado pelos desequilíbrios cósmicos devido ao mal uso da magia estava para acontecer. Para evitar isso, eu fiz algo que quebra as leis do próprio universo: Interferi diretamente, selando toda a magia existente em dois cristais, e apagando da memória de todas as criaturas que ela já existiu um dia, deixando todos apenas com uma falsa lembrança de que “magia” é só uma lenda passada pra frente pelos povos ao longo do tempo. Os dois cristais contendo toda a magia do universo foram colocados no planeta em que você vive, a Terra, com um deles contendo toda a magia obscura, e o outro a magia pura.
- Onde exatamente eu entro nessa história? – perguntou Thomas, ainda não entendendo o motivo de estar ali.
- Acontece que de algum jeito, o líder ancião de um culto que existia na Terra na época em que a magia ainda existia, previu de alguma forma a ação que eu iria tomar, e deixou escrituras com segredos sobre magia e sobre o seu culto sombrio para que alguém um dia encontrasse e soubesse de tudo. Alguém, vários anos depois de sua morte, encontrou suas anotações e reviveu o culto, buscando assim, guiados pelos segredos do livro, encontrar o cristal de magia obscura e usar seu poder. Milênios se passaram, e o culto, vivo na obscuridade todo esse tempo, alcançou seu objetivo. O culto se autodenomina “Organização Sombra”, e o cristal obscuro está sob seu poder agora. O objetivo deles é reviver o ancião que fez as escrituras, usando os segredos contidos nas mesmas, e dessa forma, guiados por ele, dominarem o universo. Agora é que você entra.
- Finalmente...
- Por um lado, o cristal obscuro podia ser pego por qualquer pessoa, desde que a mesma tivesse um coração ruim e soubesse o feitiço de liberação. Assim que liberado seu poder, o cristal, com sua energia obscura, possui o corpo de quem a liberou, dando poderes inimagináveis e tornando a criatura em algo que é cem por cento maldade, devido à natureza do tal poder. Por outro lado, o cristal de magia pura só pode ser visto e tocado por aquele que eu escolhesse no momento que fosse necessário. Eu venho te observando, assim como a todos os outros no universo, durante sua vida inteira. Você é o único que eu vejo com potencial para parar os planos da Organização Sombra, Thomas.
- Okay, espera um pouco aí, eu tenho algumas dúvidas.
- Diga-as.
- Primeiramente, pelo visto isso vai envolver combate, então por que eu? Eu não tenho qualquer habilidade em batalha. Além disso, você poderia ter evitado tudo isso apenas fazendo as escrituras do ancião desaparecerem, ou até mesmo fazendo o próprio ancião desaparecer antes de escrever tudo. E mais uma coisa, por que diabos você não simplesmente selou a magia do universo e ponto final? Tinha realmente a necessidade de existir um feitiço capaz de liberar a magia do cristal obscuro?
- Respondendo em ordem suas questões, devo começar dizendo que sua habilidade em batalha é irrelevante. Assim que absorver a magia do cristal, ganhará o instinto e o poder necessários para lutar. O que de fato importa é o seu cérebro. Você não faz ideia do quão poderoso você já é sem o cristal, já que nunca se esforçou nem se levou ao limite em nada que parecesse muito trabalhoso. Coisas como sua capacidade de adaptação à situações, raciocínio rápido, entre outros detalhes estão muito à frente da grande maioria das criaturas, mas você nunca chegou a explorar isso, Agora, vai ser extremamente necessário. Em segundo lugar, eu não impedi o ancião porque eu não posso ficar interferindo diretamente no curso das coisas. Como eu disse, selar a magia já foi algo que eu não deveria ter feito, pois vai contra as regras do universo.
- Mas foi você mesmo quem criou o universo.
- Sim, mas não sou o único que o rege. Existem regras, e elas devem ser seguidas até por mim. O ato de selar a magia causou posteriormente a criação e a destruição de várias linhas do tempo e universos que não deveriam. Por fim, sim, tinha que existir algo que fosse capaz de liberar a energia do cristal obscuro por um motivo: Qualquer decisão que se tome, tem que se estar preparado para caso ela se mostre uma má decisão. Se por acaso, numa ocasião extrema, eu precisasse trazer de volta a magia ao universo quebrando as regras novamente interferindo diretamente, tinha que haver um jeito de fazer isso.
- Tudo bem, eu entendi então... Mas e se eu simplesmente recusar e pedir pra você me mandar de volta porque a única coisa que eu quero mesmo é morrer?
- Garoto, quanto a isso, eu lhe proponho um trato.
- Vá em frente...
- Como eu disse, eu te observei o tempo todo. Eu sei muito bem dos seus vários motivos para estar querendo simplesmente morrer agora, mas por favor, entenda que nenhuma outra pessoa no universo inteiro se encaixaria para a função que quero que você ocupe nessa ocasião. Se é motivo pra viver que te faltava, aí está. Você pode salvar infinitas vidas do universo inteiro parando a Organização Sombra. Se você quiser tirar sua própria vida depois que tudo isso acabar, vá em frente, não vou te parar uma segunda vez, mas por agora, veja que isso é algo muito maior do que você, e até mesmo que eu, e aceite.
- Hmpf... Que seja. Se eu conseguir, posso me matar em paz depois, e se eu não conseguir, acabo morto no processo. Pensando dessa forma, é uma situação em que ou eu ganho, ou eu ganho, e talvez ainda tenha alguma diversão no meio-tempo. Vamos lá.
- Ótimo! Vou te mandar de volta para a Terra agora então, para o lugar onde está o cristal de magia pura. Daqui pra frente é com você, Thomas. Eu acredito completamente no seu potencial, e você também deveria.
- Era o que me faltava, Deus é coach...

Uma luz forte surge cegando Thomas por uns instantes, e quando ele consegue abrir os olhos novamente, se vê deitado na grama, ao lado de uma lagoa de lótus. Era noite, e, por alguma razão, as flores de lótus estavam brilhando na lagoa, iluminando a mesma. Thomas se levanta, e percebe que no meio do lago, entre as flores, havia um cristal brilhando ainda mais que todas elas. Passava a impressão de que a luz das flores estava sendo fornecida por ele, ou algo do tipo.

- Aí está você... – falou Thomas – Esse deve ser o cristal de magia pura.

CONTINUA.

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